Repensar a Europa nas palavras do Papa Francisco

No passado fim-de-semana, tive o privilégio de, no Vaticano, participar no Seminário “Repensar a Europa”, organizado pela Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia, em colaboração com a Santa Sé.
Uma livre troca de ideias, anseios, preocupações, com respeito pela diferença de opiniões entre representantes de toda a Europa, tendo sempre presente o princípio inalienável da dignidade e centralidade da pessoa e da prossecução do bem-comum.
Este evento terminou com uma notável intervenção do Papa Francisco, infelizmente ignorada pelos nossos meios de comunicação social. Nada que me espante diante da primazia espumosa do efémero, do descartável, do fugaz, do circunstancial, do trivial, da notícia-espectáculo, do burlesco e do adjectivo.
Por isso, hoje neste espaço, faço de jornalista, ousando seleccionar e transcrever, sem mais, alguns excertos do seu discurso. Assim (sublinhados meus):
“Falar do contributo cristão para o futuro da Europa leva a interrogarmo-nos, antes de tudo, sobre as nossas responsabilidades como cristãos hoje […]. Qual é a nossa responsabilidade num tempo em que o rosto da Europa é cada vez mais marcado por uma pluralidade de culturas e de religiões, enquanto que, para muitos, o cristianismo é visto como algo do passado, longínquo e estranho?”
“O primeiro e talvez maior contributo que os cristãos podem trazer à Europa de hoje é recordar que esta não é um conjunto de números ou instituições, mas que é feita de pessoas concretas. Infelizmente, constatamos frequentemente que o debate se limita a uma discussão de números. Não há cidadãos, há votos. Não há migrantes, há quotas. Não há trabalhadores, há indicadores económicos. Não há pobres, há limiares de pobreza. A pessoa humana é, deste modo, reduzida a um princípio abstracto, mais cómodo e tranquilizador”.
“Reconhecer que o outro é, acima de tudo, uma pessoa, significa valorizar o que me une a ele. […]. Por isso, um contributo que os cristãos podem trazer para o futuro da Europa é a redescoberta do sentimento de pertença a uma verdadeira comunidade”.
“A família, enquanto primeira comunidade, permanece como o mais decisivo lugar para tal redescoberta. Nela, a diversidade é exaltada, ao mesmo tempo que se constrói a unidade. A família é a união harmónica das diferenças entre o homem e a mulher, e é tão mais verdadeira e profunda, quanto mais for geradora e capaz de se abrir à vida e aos outros”.
“A pessoa e a comunidade são, pois, os pilares da Europa que, como cristãos, queremos e podemos ajudar a construir. Os tijolos de tal edifício chamam-se: diálogo, inclusão, solidariedade, desenvolvimento e paz”.
“[…] Vive-se um tempo de uma dramática infertilidade. Não só porque na Europa há menos filhos – o nosso Inverno demográfico -, e são muitos aqueles que são privados do direito a nascer, mas também porque nos temos mostrado incapazes de dar aos jovens os meios materiais e culturais necessários para enfrentar o futuro. A Europa vive uma espécie de défice de memória”.
“A Europa que se reencontra enquanto comunidade será seguramente uma fonte de desenvolvimento para si e para todo o mundo. […] Como foi bem sublinhado por um eminente especialista ´nós não aceitamos separar o económico do humano’ […]”.
“[…] Uma globalização sem alma, uma globalização esférica, mais atenta ao lucro do que às pessoas e que tem gerado bolsas de pobreza, desemprego, exploração e mal-estar social”.
“Ser construtor de paz exige amor pela verdade, sem a qual não podem subsistir autênticas relações humanas e busca de justiça sem a qual o abuso e a opressão serão a norma dominante de qualquer comunidade”.
2 de Novembro de 2017, por António Bagão Félix in https://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2017/11/02/repensar-a-europ...)