Perdoar e desculpar

Perdoar e desculpar são dois verbos semanticamente utilizados com o mesmo propósito, mas representam atitudes diferentes. Desculpas são justificações, às vezes esfarrapadas e pouco consistentes, que eliminam superficialmente as ações que exigem perdão. Desculpas são reparações, a pedido, à moda de um corretor que se passa por cima de uma qualquer ação, de tal maneira que quem passa a vida a pedir desculpas dificilmente muda de comportamento.
Perdoar é outra coisa: o perdão renova. Mesmo que não elimine as aparências, restabelece a ligação entre as pessoas. Perdoar não é fazer de conta que nada acontece - coisa que não se verifica quando apenas se usa o corretor da desculpa. Perdoar é intenso e profundo, é íntimo e espiritual.
Aos que têm consigo o Novo Testamento, peço que leiam os versículos 21-35 do capítulo 18 do evangelho de S. Mateus. Vão aperceber-se da preocupação de S. Pedro em saber se sete vezes ao dia seria suficiente para que um homem de bons sentimentos ficasse de consciência tranquila na sua ação de perdoar — coisa que nos deve fazer pensar, porque não nos é lícito colocar limites ao perdão. A preocupação de S. Pedro provocou uma reação em Jesus, feita parábola, na qual se conta que certo homem devia muito dinheiro ao rei e, quando foram fazer contas, o rei teve misericórdia, e perdoou-lhe a dívida inteira. Um perdão total. Aliás, a atitude de perdão é muito valorizada na Bíblia, principalmente aquele perdão que é oferecido por Deus aos que, como aquele homem insolvente da parábola, necessitam de se verem livres dos seus pecados. Para nós, por cá, perdoar é uma maneira corajosa de exprimir amor e, tal como o rei da parábola, o mesmo devemos fazer uns pelos outros: perdoar sempre e perdoar tudo. Aquele que perdoa dá mostras de maturidade, de grandeza de espírito, de sensibilidade, de coragem, porque perdoar não é um sentimento, é uma decisão. Já todos, alguma vez, fomos alvo de perdão, perdoando ou sendo perdoados.
Na medida em que tivermos experimentado entranhadamente o perdão, também saberemos perdoar. Por vezes ouve-se dizer: “já estou cansado de lhe perdoar e ele não tem emenda”. Ou: “isto já é demais”. Ou: “perdoo, mas exijo explicações”. Ora o perdão com um «mas» não é verdadeiro perdão, mesmo que a pessoa não mereça ser perdoada. Quando perdoamos, é sobre nós que recai a sensação que liberta da dor, das emoções tóxicas e dos sentimentos negativos que trazemos cá dentro. E lembremo-nos que o perdão - especialmente aquele que gera a reconciliação de corações e de vidas — exige uma grande dose de humildade. O orgulhoso não consegue perdoar, porque não esquece nem se liberta das razões da raiva. O perdão será real quando, ao ver a pessoa ou lembrando o facto, já não houver reação emocional negativa. O perdão pode conviver com a justiça e com o tribunal; e pode até exigir a compensação pelas consequências do mal realizado, porque o perdão não é para tornar bom um ato mau nem para desculpar as atitudes, as palavras e os atos maus.
O perdão é para apaziguar e garantir que estamos livres do dano emocional que a ofensa nos causou. Diferentemente, a desculpa é sempre e só um jogo de cintura...
Cón. Manuel Maria in a defesa (17 de outubro de 2018)