Prefiro os ateus aos supersticiosos

Há ateus de muitas espécies. Uns são-no de convicções profundas, outros, nem tanto. Uns, por ideologia, outros, superficialmente; uns, convencidos, outros, em faz-de-conta. Na origem do ateísmo militante há dois eixos: a raiva laicista que os tornou intolerantes contra as religiões; e a liberdade de expressão que os inspirou a exprimir a sua oposição à liberdade de crer. Mas isso era antigamente.
Hoje, em vez de ateísmo formal propriamente dito, temos o agnosticismo teórico e o indiferentismo prático. E neste último grupo que se encaixa o ateísmo atual. Primeiro, o ateu atual não passa duma pessoa que não conhece outra religiosidade além da que assimilou (ou não assimilou) durante a infância. (Aqui o verbo assimilar deve ser tomado à letra). Segundo, não há ateu que não tenha qualquer relação com a religiosidade. A sua volta há monumentos religiosos, há pessoas que falam de religião e doutrina, que participam de atos sociais religiosos, os Media transmitem celebrações. Terceiro, o ateu atual não é quem tem razões para ser um opositor de Deus: é antes alguém que cresceu culturalmente em tudo menos no domínio do religioso — porque o conhecimento de Deus não resulta de métodos audiovisuais, mas de muitos atos reflexivos e vivenciais. Quarto, o ateu atual vivenciou o que a vida lhe proporcionou, exceto experiências religiosas. Religiosamente, permaneceu criança; como adulto, é com conhecimentos infantis que critica a religião e os religiosos. Finalmente, os ateus atuais não são contra Deus, são indiferentes e ignorantes de Deus — e daí, por uma questão de coerência e falta de argumentos, preferirem a indiferença à oposição. Aliás, seria grande farsa alguém dizer- -se ateu sem conhecer o mínimo sobre Deus! No fundo, o ateu busca as mesmas coisas que nós. Quer respostas, quer conforto, quer segurança, quer ter uma ideia do que pode vir a seguir, quer ter a ilusão de que sabe de tudo e que tudo está sob o seu controlo. Eu acho que muitos ateus - que o são da boca para fora — são-no por causa de algum trauma que os fez ficar revoltados, ou da influência dos colegas de Escola ou de Universidade ou mesmo dos espaços laborais onde as conversas costumam denegrir os crentes. Pois é precisamente a sua mentalidade adulta e crítica que os leva a opor-se a uma religiosidade que, segundo o seu modo de ver, é infantil e acrítica.
Minha gente: poderão discutir- -se os erros do ateísmo se se quiser, mas o ateu será sempre uma pessoa que pensa racionalmente. O que falta a um ateu é a aceitação das realidades que estão para além do que os seus olhos captam. Eu gosto de conversar com ateus. E pena que, até hoje, ainda não tenha vislumbrado, como sérias, as razões em que fundamentam o seu ateísmo. Paciência! Não assim com os seguidores de ideias mágicas e supersticiosas, cujo quadro mental está absolutamente dominado pelo intuicionismo: as suas ideias não afluem mediante raciocínios, mas mediante sentimentos que se traduzem em preconceitos. São adictos, drogados dependentes em último grau, cegos apaixonados, crendeiros fixados em forças ocultas. As suas convicções são completamente impermeáveis à experiência do contraditório. Mesmo assim, há quem considere a superstição normal na nossa sociedade, sabendo nós que ela ofende mais a Deus do que o ateísmo.
Cón. Manuel Maria in a defesa, 13 de fevereiro 2019